Era o ano de 1908. O progresso rugia pelas ruas de São Paulo, e a recém-criada Automóvel Club de São Paulo vislumbrava um futuro em que as máquinas de quatro rodas seriam mais do que meros instrumentos de transporte – seriam símbolos de velocidade, destreza e ousadia. Como parte de seus primeiros empreendimentos, a entidade concebeu um audacioso desafio: uma competição de automóveis e motocicletas que cortaria antigos caminhos, ligando a capital ao interior.
O trajeto escolhido não poderia ser mais emblemático. Partindo do Parque Antártica, os competidores serpenteariam por Pinheiros, cruzariam a Freguesia de MBoy, avançariam rumo a Itapecerica e seguiriam até Santo Amaro, antes de retornar ao ponto de partida. Um percurso de mais de 70 quilômetros, desbravando estradas poeirentas e acidentadas, onde o asfalto ainda não reinava.
Foi assim que, em 26 de julho de 1908, o ronco dos motores anunciou o nascimento da primeira corrida oficial de automóveis da América do Sul. O Circuito de Itapecerica entrou para a história, marcando o início de uma paixão nacional.
A Disputa e a Glória
A poeira erguia cortinas no horizonte, mas nenhum dos pilotos hesitava. Desafiar o inesperado fazia parte da jornada. E, apesar do terreno irregular, nenhum acidente foi registrado. Entre os competidores, um nome se destacou: Sílvio Álvares Penteado. A bordo de seu Fiat de 40HP, ele atravessou o percurso com destreza, conquistando a vitória e os aplausos do público entusiasmado.
Mas o caminho da glória não foi sem reviravoltas. Em Santo Amaro, Gastão de Almeida, carioca destemido, liderava com uma vantagem de cinco minutos sobre os rivais da categoria D. Tudo indicava que a vitória lhe pertenceria, até que o destino lhe pregou uma peça: a apenas seis quilômetros da linha de chegada, o reservatório de óleo de seu Dietrich-Lorraine desprendeu-se, forçando-o a reduzir a velocidade. Foi o instante decisivo. Sílvio Penteado, em um último e decisivo golpe de sorte e habilidade, ultrapassou o adversário e cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, imortalizando seu nome na história do automobilismo.
O Caminho da História
O percurso dessa corrida pioneira traçava um mapa do desenvolvimento urbano e da evolução dos caminhos paulistas. Os competidores partiram do Parque Antártica, seguiram pela Consolação, cortaram a Avenida Paulista, passaram por Arco Verde, Pinheiros, Mercado dos Caipiras, Pirajussura e MBoy, alcançando Itapecerica antes de tomar o caminho de volta. A jornada de retorno os levou por Santo Amaro, subindo pela Brigadeiro Luís Antônio e voltando à Avenida Paulista, para então cruzar novamente a linha de chegada no Parque Antártica.
Mais do que uma simples corrida, o Circuito de Itapecerica foi um marco. O som dos motores ecoou não apenas pelas estradas de terra, mas também pela história, impulsionando a paixão do Brasil pelo automobilismo. E, mais de um século depois, seu legado ainda ressoa como o primeiro grande rugido da velocidade em terras sul-americanas.
Se quiser saber mais sobre essa história, recomendamos o livro A Primeira Corrida na América do Sul, de Vergniaud Calazans Gonçalves.